Nº 70045659554
MAIS UMA VEZ A VITORIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE A PATERNIDADE BIOLOGICA EM CONFLITO:
APELAÇÃO CÍVEL. “AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.”
PAI BIOLÓGICO VERSUS O PAI REGISTRAL. ANÁLISE PERTINENTE AO CASO CONCRETO. Configuradas as filiação e
paternidade socioafetivas, deve ser desconsiderada a verdade biológica. ALEGAÇÃO DE DANO MORAL. “FILHO COMPRADO”. Ainda que se reconheça a efetivação da compra, tal
conclusão está intimamente ligada ao reconhecimento da venda, por mera
liberalidade. Logo, não há dano à moral de quem contribui ativamente para a
efetivação da conduta ilícita.
NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.
Apelação Cível
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Oitava Câmara
Cível
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Nº 70040477960
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RELATÓRIO
Des. Alzir Felippe Schmitz (RELATOR)
Trata-se de apelação cível interposta por I.S.D.M. e
F.P.D., contra a sentença que julgou improcedente a Ação Investigatória de Paternidade
ajuizada por estes contra E.L.S, julgando, por outro lado, procedente a Ação de Guarda ajuizada por E.L.S.
contra os apelantes.
Em suas razões, os apelantes sustentaram que o
recorrido, utilizando da sua boa situação financeira e prestígio social,
comprou o filho biológico das partes, razão por que alegaram que o apelado não deve ter sua
conduta desonrosa premiada com a improcedência da demanda ajuizada pelos ora
apelantes.
Discorreram sobre a falha de caráter do recorrido,
ponderando que o melhor interesse da criança é incompatível com a paternidade e
guarda daquele que agiu ardilosamente. Asseveraram que o apelado atropelou os
meios legais para conseguir seu intento de adotar uma criança, motivo pelo qual
a manutenção da sentença significa reconhecer a vitória da força econômica
sobre a Justiça. Ademais, alegaram que restou comprovado que o requerido causou
dano moral aos autores, uma vez que para justificar seu mau proceder denegriu a
imagem da mãe e, consequentemente, do casal apelante, relatando de forma
mentirosa que teve relações sexuais com a mãe da criança e que aquela teria lhe
imputado a paternidade biológica. Assim, requereram o provimento do apelo ao
efeito de se julgar procedente a investigatória de paternidade, com pleito de
indenização por danos morais e improcedente a ação de guarda ajuizada pelo
recorrido, determinando-se a retificação do registro civil da criança em tela,
bem como a inversão da sua guarda – fls. 345-349.
O apelado apresentou contrarrazões rechaçando a argumentação
dos recorrentes. Outrossim, frisou que comprovou nos autos que teve um caso
extraconjugal com a mãe do filho que foi por ele reconhecido, asseverando que
também foi uma vítima da situação causada de má-fé pelos apelantes. Colacionou
jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça atentando para o melhor
interesse da criança em caso análogo. Em vista disso, pugnou pela manutenção da
sentença – fls. 303-365.
O Ministério Público, nesta instância, exarou parecer
opinando pelo desprovimento do apelo – fls. 370-373.
Houve remessa da sentença de primeiro grau, a qual
condenou E.L.S. e F.P.D. por incursos nas sanções do art. 238, caput, do Estatuto da Criança e do
Adolescente – fls. 375-384.
Observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do
Código de Processo Civil, em razão da adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
Des. Alzir Felippe Schmitz (RELATOR)
A questão a ser resolvida neste recurso é a
inconformidade do pai biológico com a improcedência da ação investigatória de
paternidade ajuizada em desfavor do pai registral, cumulada com pedido de
indenização por danos morais.
A parte autora, mãe biológica e o suposto pai
biológico, aforaram a demanda para investigar a paternidade de J.P.S. contra
E.L.S., pai registral, dizendo que a autora, pressionada por sua própria mãe e
pelo “poder econômico” do requerido, entregou a criança ao demandado.
A paternidade biológica do
pequeno J.P.S. foi trazida à tona nesta ação por meio do exame de DNA,
comprovando que o recorrente é o pai biológico do menino. Entretanto, foi
mantida a paternidade com o pai registral levando-se em consideração as
peculiaridades do caso e o vínculo socioafetivo entre o requerido e a criança.
Analiso, mas não sem antes
transcrever, pois fundamental para entender o que movimenta o presente feito,
parte da narrativa dos fatos elaborada pelos autores na petição inicial, como
segue:
“O Autor Iran S. de M. mantém
união estável com FERNANDA P.D. de cuja união tiveram dois filhos.
‘O casal autor é de pequenas
posses, mas possui dignidade e condições de criar e educar os filhos.
‘Em 2008 a Autora Fernanda
engravidou, situação que proporcionou felicidade ao casal, o qual planejava
possuir dois filhos.
‘Em abril de 2009, época do
parto, a Autora Fernanda ainda confiava em sua mãe, mas por pressão do Réu e
desta, foi submetida a uma sucessão de fatos que culminaram com a situação que
passamos a aduzir.
‘A mãe da Autora e o Réu, em
situações até hoje desconhecidas, proporcionaram a Fernanda, realizar o parto
do menor J.P. na cidade de Não Me Toque, onde reside o Réu.
‘Após o parto e ainda no
estado puerperal, que proporciona grandes alterações psicológicas e de
raciocínio, a Autora devido a alto grau de coação e pressão imprimidas pelo Réu
e sua mãe, permitiu que seu filho JP fosse entregue ao Réu, bem como fosse
registrado como filho de Emerson LS, consoante certidão de nascimento (...) [sic - fls. 2 e 3]
Como bem registrado pelo juiz sentenciante, as partes
que aqui litigam, trouxeram ao Poder Judiciário versões falaciosas, muito longe
da realidade que permeou a gestação e o nascimento da criança J.P.S.
Isso porque, qualquer pessoa que tenha acesso aos
autos, a partir de raciocínios bem singelos, é capaz de desmontar as versões
das partes, dadas as contradições dos seus argumentos.
O autor, pai biológico de J.P.S., quer fazer crer que
está indignado com a farsa montada por sua companheira, sua sogra e o
requerido, mas se revolta apenas contra este, querendo indenização por seus
prejuízos morais. A indenização moral foi pedida em face daquele que, segundo
as suas razões, por meio do dinheiro, subjugou a sua família e a própria
Justiça.
Entretanto, o procedimento do autor e da mãe de J.P.S.
não é nada nobre, restando obscuras diversas condutas adotadas pelos
recorrentes.
Nesse contexto, veja-se que a mãe do menino fez o
pré-natal e o parto em Município diverso da sua residência, adotando como local
dos fatos o Município de residência do pai registral. Tal situação não foi bem
esclarecida, limitando-se a parte a informar ao juízo que a autora adotou o
domicílio de sua mãe para ter a criança.
Ainda nesta situação – gravidez e parto – a recorrente
diz que “entregou” a criança ao recorrido sob efeito das alterações
psicológicas do puerpério. Todavia, causa estranheza tal afirmativa, uma vez
que amplamente comprovado nos autos que as tratativas sobre o destino da
criança, independentemente da versão
de cada um, existiram desde a gravidez.
Outrossim, o pai biológico estava viajando no momento
do nascimento da criança, em visita à casa de sua mãe, sem qualquer
justificativa plausível para tanto. Nesse contexto, friso que o apelante,
segundo suas próprias assertivas, sabia que a companheira estava passando por
uma gestação de risco, e mesmo assim não a acompanhou em nenhuma das várias
consultas e exames realizados durante o pré-natal, tampouco, preocupou-se em
estar presente no período que sabia ser a data provável do nascimento.
Além disso, chamo especial atenção ao procedimento
adotado pela família biológica que, quando teve o pedido de alteração de guarda
ao final indeferido, não diligenciou para garantir outro tipo de acesso à
criança, como, por exemplo, a visitação.
Veja-se que a mãe biológica, pessoa que movimentou a
imprensa local e as autoridades com sua inconformidade, foi incapaz de
diligenciar a fundo pugnando pelo seu direito à visitação.
Concluindo, da leitura da farta documentação destes
autos, vejo que a família biológica do menino muito buscou alardear sua
inconformidade e, principalmente, a condição econômica do requerido, mas
pouquíssimo fez para, realmente proteger e se aproximar do filho.
Por outro lado, o apelado quer fazer crer que teve
relações sexuais com a mãe do filho reconhecido e que, portanto, registrou o
menino de boa-fé, ficando com sua guarda apenas porque a mãe assim pediu expressamente.
Todavia, a saga de coincidências que permeiam a
gravidez inesperada da fortuita relação sexual é quase cinematográfica.
O apelado praticou conjunções carnais com a mãe da
criança sem saber que, coincidentemente, esta engravidaria e doaria o filho ao
pai, resolvendo seus problemas de infertilidade com a esposa e os anos de
espera no cadastro de adotantes (do qual o casal já fazia parte quando da feliz
coincidência).
A esposa traída, que já havia se submetido a
tratamentos contra infertilidade, receberia, então, a criança fruto da relação
adulterina, de braços e coração abertos como se mãe fosse, tirando, inclusive,
licença do trabalho para melhor se dedicar à maternagem.
Retirando-se os argumentos supérfluos, essa é a versão
do apelado.
Desse modo, analisando os dois lados desta ação, se a
manutenção da criança com o pai registral é premiar a má conduta daquele que é
capaz de comprar um filho; destinar a criança à família biológica é premiar a
conduta daquele que vende um filho e, pior, que ainda quer lucrar mais com
isso, tendo a criança de volta com indenização de brinde.
É quase como a piada do pão duro, que venda a mãe, mas
não entrega.
Portanto, não encontraremos no presente feito a parte
que está com a razão, pois ninguém agiu com correção. Resta, entretanto,
avaliar o melhor interesse do bebê, decidindo com quem ele permanecerá. Se o
vínculo prevalente será o biológico ou o da perfilhação.
Neste caso, entendo que o vínculo estabelecido entre
ELS e JPS, decorrente da perfilhação deve prevalecer.
Isso porque, conforme a exaustiva prova feita nos
autos, o pai registral exerce a paternidade do menino com grande disposição,
criando entre ele e o menino o verdadeiro vínculo pai e filho.
Por outro lado, o pai biológico, quando teve a
oportunidade de exercer o seu papel, mostrou-se totalmente desvinculado da sua
função. Nessa linha, veja-se o seu proceder durante toda a gestação da
companheira, mostrando-se completamente alheio à problemática que permeou a
gestação.
Assim, vejo que o apelado e o menino são pai e filho,
independentemente do que consta no registro civil ou da inexistência do liame
biológico.
Nesse sentido, importante destacar que, segundo o
depoimento da psicóloga de fls. 289-292, atualmente a identidade afetiva da
criança já está consolidada, razão pela qual não há falar em sobreposição do
resultado de DNA ao vínculo afetivo estabelecido entre o que perfilha e o
perfilhado.
No mesmo sentido, é o parecer do Ministério Público
nesta instância – fls. 270-273 -, verbis :
“(...) Não prosperam as inconformidades.
Em que pese os litigantes terem apresentado diferentes
versões sobre o ocorrido, o que se conclui, da leitura dos autos, é que, antes
do nascimento do menor, estes já haviam acordado que João Pedro permaneceria
com Emerson, ao que tudo indica, em troca de dinheiro.
Temos, então, de um lado a genitora da criança, que a tratou
como um objeto mensurável economicamente, mostrando total descaso com a mesma e
que, agora, quer reavê-la. De outro, Émerson, que tendo melhores condições
financeiras, burlou o sistema de adoção, desrespeitando famílias que, assim
como a sua, na ânsia de serem pais, aguardavam ansiosas na fila por tal
oportunidade.
Em resumo, ambos erraram. Resta saber agora, quem deve ficar
com o menor? Diante da complicada questão, a única solução que resta é
verificar qual das famílias atende ao melhor interesse da criança.
E, na difícil questão, tem-se que a melhor solução é a
permanência do mesmo na companhia do apelado.
Isso porque, desde seu nascimento (há um ano e nove meses),
encontra-se na companhia do apelado, sendo certo, pelos elementos informativos
contidos nos autos, que lá, este é bem tratado e recebe amor.
Ademais, a avaliação social feita na ação de guarda (fls.
39/43), foi favorável à permanência de João com Émerson.
Ainda, como referido pela psicóloga Suraia Estacia Ambrósio
(fls. 289/292), a separação da criança de seus pais afetivos, neste momento,
traria prejuízos à mesma.
Aliás, ainda que carecedores de conhecimentos no ramo da
psicologia, ensina a experiência que, com um ano e nove meses de idade, uma
pessoa já reconhece seus cuidadores e sofre tremendamente ao ser separado
destes. Ainda mais de uma família que se encontrava ansiosa por um ‘filho’.
Assim, deve ser mantida a bem lançada sentença recorrida.
Por fim, como bem salientado pelo julgador (fl. 339v), “da
mesma forma, tenho por incabível a postulação de dano moral, primeiro pela
improcedência da ação de investigação de paternidade. Segundo, porque todos os
envolvidos tem grande parcela de culpa, em especial Fernanda
e Émerson, sendo que a conduta de ambos se igualam. Terceiro, porque não restou
comprovado que efetivamente não houve relacionamento sexual entre Émerson e
Fernanda. Ao contrário, existe prova testemunhal no sentido de que Fernanda se
prostituía, inclusive afirmando que Émerson seria o pai de JP. Ademais,
igualmente não restou comprovada a alegação de coação ou indução da autora em assinar documento permitir o
registro de JP como filho de Émerson.
Portanto, não há que falar em dano moral.”
Diante do exposto, o Ministério Público opina pelo
improvimento da apelação.(...)”
Desse modo, neste caso, restou cristalino que o liame
biológico não será capaz de desfazer a situação emocional que está consolidada.
Logo, mantenho a paternidade reconhecida no assento de
nascimento do menino J.P.S.
Por final, não há falar em dano moral, por ausência de
pressuposto, vez que, embora seja possível a ocorrência do ilícito, não há
vítimas no caso em questão.
Ademais, a alegação do recorrente de que ele próprio e
sua família sofreram dano moral porque o recorrido disse que teve relação
sexual com sua companheira, não merece qualquer crédito. Ora, o recorrente
sente-se abalado moralmente porque o apelado alegou ato sexual com sua
companheira. Entretanto, ele mesmo se ocupa de esclarecer que não houve o ato
sexual, o que resta, então? Resta configurado que sua companheira vendeu a
criança à pessoa que sabia não ser o pai.
E assim, o dano moral adviria da conduta ilícita do
apelado. Entretanto, ainda que se reconhecesse o ato ilícito, friso ao
recorrente que não pode pleitear dano à moral aquele que contribuiu diretamente
para a sua realização.
Logo, sob nenhum enfoque o apelante merece indenização.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo.
Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (REVISOR)
Examinei a grave situação tratada nos autos, e comungo
do sentimento de extrema dificuldade na adoção de uma solução, como bem
realçado pelo insigne Juiz de Direito, Dr. Afonço Carlos Bierhals, sobretudo no
atual estágio em que se encontra a situação. E, nesse sentido, parece que o
endereçamento dado à espécie é, como destacado na sentença e aqui pelo eminente
Relator, o que parece menos injusto para o menor João Pedro.
A par de eventuais questões processuais que poderiam
ser levantadas na presente ação, denominada de “investigação de paternidade”, que foi intentada pela mãe (que já consta como tal no registro) e
por seu companheiro, as traduções dos autores e do réu são dissonantes, não
tendo sido devidamente apurado se houve, como disse Émerson (pai registral e réu), relacionamento
sexual com Fernanda (mãe e autora),
do qual teria resultado o nascimento do menor, tampouco se existiram as
alegadas coação e ameaças sofridas pela genitora durante a gestação e por
ocasião do parto, e muito menos se efetivamente ocorrente a negativa geral de Iran
(autor e pai apurado como biológico em
exame de DNA, companheiro de Fernanda), que disse de nada saber.
A verdade, lamentavelmente, não veio aos autos, e todas
as versões possuem diversos aspectos que sinalizam inverdades, que muito bem
foram esquadrinhadas na sentença, que peço vênia para aqui não transcrever.
De certo mesmo há apenas que os pais biológicos de João
Pedro são os autores Fernanda e Iran, além do comportamento absolutamente
pérfido adotado por todos os implicados. A primeira, emprestando tratamento de
objeto a seu filho então recém nascido, em troca de dinheiro. O segundo,
anuindo a esse nefasto procedimento, sem ter preocupação alguma com o
nascimento que se avizinhava e ocorria, ausentando-se sem justificativa, embora
então existente situação de risco, inclusive à parturiente. E, por fim, o réu
Émerson, que, logrando todas as regras legais atinentes à adoção para que se
habilitara, em defesa da pronta materialização de seu desejo de ser pai,
subjugou, desrespeitou e prejudicou não só os demais envolvidos, e inclusive a
criança, mas também o Poder Judiciário (e
cabe aqui consignar que Emerson e Fernanda foram responsabilizados
criminalmente pelos acontecimentos; sentença proferida em 28/11/2011, ontem
juntada ao processo).
Daí que, ante esse panorama, adequada a decisão que, ao
cabo, levando em conta os dados técnicos produzidos durante a instrução
processual (v. g., fls. laudo psicológico
das 289/292), manteve a paternidade já constante no assento de nascimento o
menino e deferiu a sua guarda ao pai, o que atende ao melhor interesse do menino
João Pedro, que hoje já conta dois anos e sete meses de vida.
Assim, também nego provimento ao apelo.
Des. Luiz Felipe Brasil Santos (PRESIDENTE)
Como muito bem destacou o julgador singular, não há
solução ideal para o presente caso.
Dentre as possíveis, aquela adotada na sentença e confirmada pelo em.
relator, me parece a menos nociva ao menor.
Por isso, também nego provimento à apelação.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS -
Presidente - Apelação Cível nº 70040477960, Comarca de Não-Me-Toque: "NEGARAM PROVIMENTO
AO RECURSO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: AFONCO CARLOS BIERHALS
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